Eu venho defender, sim, a ocupação dos morros no Rio de Janeiro. Mas venho defender também a ocupação das palafitas lá em Recife. Venho defender, Senador Garibaldi, a ocupação daquelas áreas do semiárido nordestino. Mas venho defender essa invasão não por militares, não por policiais. Venho defender a invasão, a ocupação, por setores que evitariam que a gente agora precisasse ocupar com militares.
Eu venho defender, por exemplo, a ocupação, a invasão, Senador Paulo Paim, dos morros do Rio de Janeiro com empregos para os jovens. Se a gente invadisse com empregos para os jovens, garantindo que esses jovens tivessem bolsas para que estudassem, que fossem incorporados, inclusive, nas Forças Armadas, em vez das Forças Armadas subirem os morros, trazer os jovens para dentro do Exército, onde aprendessem um ofício, disciplina, patriotismo. Essa invasão eu defendo.
Eu defendo também a invasão para dar emprego aos adultos, aos pais desses jovens; invasão para que eles possam ter emprego, por exemplo, para reconstruir cada um a sua casa, para colocar água e esgoto nas ruas onde moram. Invasão de emprego, por intermédio do crescimento econômico, que ocuparia esses adultos.
Acho também que deveríamos fazer a invasão por professores. Se a gente invadisse com professores os morros do Rio, as palafitas de Recife, lá o semiárido do Rio Grande do Norte, do Nordeste inteiro, com professores bem remunerados, bem formados, bem preparados, acho que essa invasão, essa ocupação, evitaria as outras que vão trazer muita dor de cabeça para a gente.
Eu gostaria de defender também a invasão por equipamentos, homens carregando equipamentos para as escolas, para os postos de saúde, equipamentos como televisão, computadores, ressonância magnética etc. Vamos invadir os morros do Rio de Janeiro com equipamentos médicos, com equipamentos para que a gente possa ter as nossas crianças em boas escolas.
Eu gostaria, sim, de ver a ocupação dos morros por creches para as crianças que ali moram. Mas não só por creches, pelas quais a Senadora Heloísa Helena tanto luta, mas por profissionais que são capazes de cuidar dessas crianças. Já pensou se a gente invadisse o Brasil inteiro com creches, com profissionais que sabem cuidar das crianças? Essa invasão evitaria aquela que a gente está fazendo.
Eu gostaria de ver a ocupação com artistas que levassem shows de rock e concertos de músicas clássicas lá nos morros do Rio de Janeiro, lá nas palafitas de Recife, lá no semiárido, lá onde tivesse alguma pessoa pobre.
Eu queria ver os nossos morros invadidos por esportes, invadidos por quadras de esporte para os nossos jovens, iluminadas à noite, para que eles pudessem brincar, para que eles pudessem se distrair, para que eles pudessem fugir daquele dia-a-dia que os domina e que os corrompe também.
Eu gostaria de ver a gente poder ter uma invasão das terras improdutivas deste País. Eu gostaria de ver este País não precisar de o MST invadir terras; que as terras improdutivas fossem invadidas, por ordem da Justiça, pelo próprio Exército, na defesa do interesse nacional. Por que precisamos ter o constrangimento de ver o MST invadindo terras, quando essas terras improdutivas deveriam ser invadidas por oficiais de justiça, pelo Exército, quando fosse preciso, para trazer essa terra improdutiva a serviço do País, para colocá-la a serviço das mãos dos homens que querem trabalhar, casando os homens sem terra com as terras em que os homens não têm o direito de entrar.
Eu gostaria de ver, Senador Paim, uma invasão – e V. Exª vai gostar disso – de microcrédito pelo Brasil afora; que pudéssemos ter uma invasão de microcrédito e de formação profissional em todos os lados do Brasil. E eu gostaria de ver a ocupação das calçadas das praias de Recife, das praias de Natal, das praias de Fortaleza. Essas calçadas invadidas para se acabar com a tragédia da prostituição infantil, que toma conta, e de um turismo sexual maldito que gera dólares e faz com que muitos fechem os olhos para isso. Se nossos soldados invadissem as calçadas de Recife e de Fortaleza para impedir a prostituição no Brasil, seria essa a invasão, Senador Mão Santa, que eu gostaria de defender.
Eu gostaria de ver a ocupação de todas as casas do Brasil em que existisse um analfabeto, a ocupação por professores de alfabetização. Como seria bonito o Brasil invadindo as casas com professores para ensinar cada brasileiro que ainda não sabe ler.
Até para conhecerem a própria bandeira, onde está escrito Ordem e Progresso, pois, se misturamos as letras ali, o analfabeto continua pensando que é a mesma bandeira. Até se mudamos as letras de Ordem e Progresso e colocamos outras, vinte milhões de brasileiros, talvez, mas doze milhões, na certa, não saberiam distinguir se na bandeira do Brasil está à inscrição Ordem e Progresso ou “desordem e atraso”.
Eu gostaria de ver este País invadido por todas essas formas pacíficas de invasão, formas justas de invasão, formas corretoras do rumo da Nação brasileira. Eu gostaria que essa invasão fosse feita sem distinção ideológica, sem distinção partidária, num grande acordo nacional, em nome da ocupação pacífica da sociedade e do território brasileiro.
Alguns vão dizer que isso é idealismo e que é impossível. Alguns vão dizer que, para isso, seriam necessários muitos bilhões de reais. E até não são poucos bilhões, são R$40 bilhões que se necessitam. Este é um valor menor que o superávit fiscal, um quarto do que pagamos de juros, mais ou menos o que a Petrobras – uma estatal – teve de lucro. Quarenta bilhões não são nada quando comparamos com R$1,7 trilhão da renda nacional ou com R$700 bilhões da receita do Estado.
Eu gostaria de ver o Brasil invadido por tudo isso. Eu só não gostaria de ver o Brasil invadido pelo que temos hoje: a paciência com que o povo espera que algum dia venha à invasão pacífica. Neste País, quando dizemos que precisamos fazer essas coisas, alguém diz que é preciso ter paciência. Mas foi preciso paciência para chegarmos a fabricar dois milhões de automóveis por ano, para fazer hidrelétricas, para fazer aeroportos. Ninguém quis submeter-se à paciência para atender à demanda da economia. Na hora de atender às necessidades do povo, começamos a cobrar paciência ao povo.
Fonte: Livro “Pé na Porta” do Sen. Cristovan Buarque.