Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)
Hoje meu perfil no Orkut acordou mais sozinho do que eu. Costumava ser o contrário – o que, a rigor, não deixa de ser a mesma coisa. O scrap do perfil está vazio. Não sei o que postar lá agora, pois a maior parte de meus velhos amigos e parentes já foi embora. Até aquele amigo que em 2004 me concedeu a honra de um convite para entrar na rede social já desapareceu. Alguns amigos ainda permanecem, por apego à tradição. Não se ainda estão lá de verdade. Talvez seus retratos e fotos sejam simulacros, como em uma cidade fantasma de ficção científica. As comunidades perderam grande parte de seus integrantes, e restam os saudosistas que ainda creem no Orkut como o último baluarte dos sonhadores, gente que prega que a “mídia” promoveu o Facebook de tal forma que inviabilizou o Orkut e identifica Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, como supremo vilão. Para eles, é melhor só no Orkut que mal acompanhado no Facebook.
Alguém se lembra como era gostoso fazer parte de um grupo de ódio ou de preferência? Era no tempo em que não existia o “curtir” unilateral e inquestionável. Era o tempo em que o verbo “favoritar” ainda não havia sido criado. Eu amei e odiei demais nas comunidades as mais diversas. O Orkut ensinou a todo mundo que a internet podia ser uma extensão de nosso corpo e de nossos sentidos. Cortar o Orkut era como perder um pedaço do corpo e da alma. Ainda faço parte da comunidade Eu Prefiro o Orkut com Certeza . Muito embora o fórum postado lá mostra que 91% dos votantes prefere o Orkut ao Twitter (o Facebook nem é mencionado), ela conta com pouco mais de mil membros, e já não mostra entusiasmo em questionar o Grande Irmão Zuckerberg em benefício ao Bom Dervixe Orkut Büyükökten, o engenheiro turco que inventou a rede social e hoje trabalha como funcionário do Google. Era permitido odiar e dar tempo ao tempo. Porque o Orkut, ao avesso do rival, não organiza tudo em cronologia, como se o ser só pudesse se definir na temporalidade e na finitude (o Facebook é hegeliano). Eu não tinha pressa em postar nada. Era bom só conversar em família, em tribos, por afinidades e ódios compartilhados. Hoje só me resta curtir até o que eu detesto pelo Facebook.
Mas encaremos a realidade: no Orkut quase não há Orkut troca de ideias, bate-papos, fotos de parentes e notícias relevantes. A informação não circula. Tudo parece congelado ou repetir eternamente as mesmas ações que simulam vida, como na novela A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares. Mas, tal qual a ilha de Morel, não existe mais vida, só um mecanismo que funciona sozinho como um carrossel de personagens que reprisa o mesmo pacote audiovisual. Porque, apesar das aparências, as pessoas sumiram. Todo mundo se bandeou para os lados do Facebook. Com seu quase 1 bilhão de membros, ele arrastou todo mundo para seus aplicativos descolados e brinquedos. Comunidades inteiras do Orkut migraram para lá, na ilusão de um mundo virtual melhor, como se jogos como o FarmVille pudessem substituir as antigas afinidades eletivas, como se cutucar alguém pudesse ser a solução para os namoros desfeitos na outra rede. Resultado: em oito anos de atividade, o Orkut deixou de ser a rede social favorita dos brasileiros, como havia deixado de o ser dos indianos, croatas e californianos. Agora a bola é do “Face”, como os brasileiros o chamam.
A lei do mais forte está levando o Orkut à desertificação, como muitos outros sítios da internet. O Orkut é o novo Second Life, a comunidade de avatares que um dia foi celebrada como o Circus maximus dos geeks, e hoje dá pavor de entrar. O Orkut segue idêntica maré vazante. Os rostos da maioria dos membros do figura lá feito quadros na parede de um castelo de assombração. Aqueles que ainda não praticaram o orkuticídio mantêm suas imagens e informações talvez por pavor do desaparecimento parcial, por temor de nãos serem mais visualizados ou amor excessivo à vida digital. Eu confesso que, em meados de 2005, abortei meu perfil no Orkut, mas retornei para espionar minhas filhas – e agora não serve nem mais para isso.
Sem me render a teorias conspiratórias, observo que o Orkut tem amargado campanhas difamatórias e preconceituosas. Circulam pela internet milhares de piadas sobre a ineficiência e o público que hoje frequenta o Orkut. A luta de classes, o desprezo e o desprezo do mais cool pelo desinformado aumentaram a atmosfera de ressentimento. “O Orkut só tem gentalha”, diz um ex-usuário, que praticou o orkuticídio porque não aguentava mais a proximidade do espírito do populacho. Ele notou que a nova classe média invadiu a rede com suas idiossincrasias, seu padrão duvidoso de fotografia, seu look brega e suas declarações repletas de constrangedores erros de português e inglês. O verbo “orkutizar” foi criado nessas circunstâncias discriminatórias. “orkutizar” designa a ação ou ato de popularizar serviços pela internet. Se você ou sua empresa se orkutizaram, meu amigo, está ferrado e estigmatizado, e será perseguido por falta absoluta de gosto.
No entanto, nos últimos meses, aconteceu um fato que está apavorando aquele ex-usuário que havia se instalado confortavelmente no Facebook, imaginando-se livre da gentalha: hordas de bárbaros acabam de cruzar a fronteira. Essa população desvalida estava se sentindo à míngua no Orkut e agora encontrou no Face a nova Terra da Promissão. Os descontentes que se mudem para o Linkedin e congêneres. O Facebook virou o pátio dos milagres, a bacia das almas, a terra do funk, do tecnobrega e dos baianos. Tem até perfil de cego de feira. Não há área vip no Face. Eis aí uma ideia para o Zuckerberg: imitar os empresários de shows brasileiros e criar espaços vips, cobrando por isso.
Quem quer um pouco de solidão pode regressar ao Orkut. Ali, por ironia da roda da internet, a experiência de exclusivismo voltou a ser possível. Anda tão despovoado que eu acho que o Google desistiu de coletar dados de seus membros. Além disso, o Orkut ainda possui ferramentas que o Face não oferece. Criar grupos orgânicos por afinidade, por exemplo, é difícil no Facebook porque a velocidade da rede promove a dispersão das ideias. O Facebook alimenta o onanismo social. Em vez de segmentar os públicos, ele tende à fragmentação. O tempo curto do Face carrega e destrói tudo o que encontra pela frente. No fim das contas, só sobra o caos. O Orkut oferece ordem, meditação e concentração em pleno deserto assombrado. Porque o tempo e o espaço ali estão congelados. Ali, ainda é possível topar com gente rara interessada em fazer amigos virtuais de verdade, e não colecionar nomes ocos. Quem sabe eu esteja contemplando uma miragem? Sim, deve ser isto: sofro de orkutalgia…
(Luís Antônio Giron escreve às terças-feiras.)
Da Redação Época