Um pouco mais de dois hectares e a consciência de que a agroecologia é a saída para a sobrevivência da agricultura familiar foram fatores preponderantes para a permanência da família Rocha nas terras herdadas dos pais e avós. Esse é o início da história do agricultor João Mariano, morador da comunidade Piracicaba, município de Upanema – RN.
No total, são 1.100 hectares que foram herdados para a viúva e nove irmãos. Os herdeiros optaram em permanecer no lugar e hoje garantem a sobrevivência de todos os integrantes, totalizando 22 famílias residindo na comunidade. O diferencial é que cada núcleo familiar é responsável por sua parte, mas todos cultivam a terra seguindo os princípios da agroecologia. “São 62 hectares divididos pelos nove irmãos, mais 500 hectares que pertencem à matriarca da família”, explicou João Mariano. O diferencial mais importante é que os produtos cultivados não recebem nenhum tipo de fertilizantes químicos, nem agrotóxicos.
Para conhecer essa experiência bem tradicional da agricultura familiar, dois estudantes de agronomia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) passaram essa última semana vivenciando a realidade da comunidade. Na ocasião, André Victor Sales Passos e Ítala Tavares Guimaraes, integrantes do Projeto de Extensão Vivenciar e Construir Saberes, observaram de perto o modo de produção, a comercialização e os cuidados que os agricultores têm ao lidar com a terra. Outros estudantes vivenciaram a mesma experiência em assentamentos e comunidades rurais localizadas em Apodi, João Câmara, Pedra Grande e São Miguel do Gostoso. Os estudantes, dos cursos de Agronomia, Zootecnia, Medicina Veterinária e Ecologia, ficaram hospedados na casa dos agricultores.
A diversidade na produção, a rotatividade de culturas e a não utilização de máquinas pesadas são alguns fatores que caracterizam a agroecologia colocados em prática na propriedade. Além da integração da produção vegetal e animal. “Observamos que o policultivo, com a integração da criação animal torna-se uma opção viável para os pequenos agricultores familiares”, afirma o estudante que está convicto sobre a importância da agricultura orgânica para a sobrevivência daqueles que tiram o sustento com o trabalho na terra.
HISTÓRICO
Antes de se tornar um centro de produção orgânica, a comunidade Piracicaba, até meados da década de 1990, tinha como carro-chefe a produção de algodão. “Meu pai chegou a tirar mais de mil quilos”, revelou um dos herdeiros Gil Rocha, garantindo que mesmo na época do “ouro branco”, o agrotóxico não era utilizado na propriedade.
João Mariano, que é cunhado de Gil, revela que chegou a trabalhar com a agricultura convencional, tendo sido empregado numa fazenda de melão. “Desse tempo, não sinto nenhuma saudade”, revelou o agricultor, acrescentado que na propriedade dele tudo é aproveitado. A sobra dos vegetais vai para os animais que por sua vez volta à natureza em forma de composto. Além das plantações de hortaliças e árvores frutíferas e nativas, os agricultores criam caprinos e ovinos, galinhas e abelhas. Parte da produção é comercializada na Feira Agroecológica de Upanema. Só com o coentro a média é de mil pés por semana, além da batata, macaxeira, cenoura, mamão, acerola, entre outros produtos como doces caseiros, ovos, galinha caipira e carne de criação.
Experiência marca vida acadêmica de universitários
“Essa realidade comprova a viabilidade da agricultura orgânica”, opinou a futura agrônoma Ítala Tavares, adiantando que a troca de conhecimento torna a experiência muito rica na sua formação profissional. A reciprocidade é a mesma por parte dos agricultores que acolhem os estudantes da Ufersa. “A vinda dos universitários é muito importante, aprendemos e ensinamos também”, afirmou Ranilson Nunes da Rocha, que hospeda André Victor.
Nos seis dias da vivência em Piracicaba, os estudantes puderam acompanhar os agricultores em várias atividades no trabalho com a agricultura, inclusive, na apicultura. A comunidade possui mais de 200 colmeias espalhadas pela propriedade e já chegou a produzir até 7 mil litros de mel. “Este ano, a produção caiu devido a seca”, explicou João Mariano. A propriedade é a única de Upanema a possuir certificação de produção orgânica, expedido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
André enfatiza que o estágio de vivência possibilitou com a prática fortalecer a ideia de soberania e segurança alimentar a partir do consórcio de várias culturas. “Aqui comprovamos que cultivar apenas uma cultura não garante a sobrevivência dos agricultores familiares”, revelou. O professor Joaquim Pinheiro, coordenador do Programa Vivenciar e Construir Saberes, complementa afirmando que dentro da concepção orgânica a lógica não é a produção de mercadorias, “eles produzem alimentos num resgate à cultura camponesa”, destacou. Para ser ter uma ideia da diversificação de produção, a maior parte do que é consumido pelas famílias é produzida na propriedade. Basicamente, o que é adquirido fora é o café, o óleo, o açúcar, o sal, o arroz e o macarrão, outra característica da soberania alimentar. “Observamos aqui o autoconsumo com o diferencial de qualidade”, ressaltou André Victor.
A existência de um poço, construído com recursos provenientes da comercialização do mel de abelha italiana, garante que parte da propriedade seja irrigada. Outra vantagem é que os agricultores contam com o apoio técnico da Cooperativa Sertão Verde e do Programa Dom Helder Câmara, entidades que integram a Rede Pardal.
Fonte: O Mossoroense