* Hugo Manso
“Caro Cassiano Arruda
Em seu texto “VANGUARDA DO ATRASO” publicado na Roda Viva de 21/07/11, você trás para a discussão da utilização das águas da Barragem Santa Cruz conceitos de desenvolvimento capitalista, a partir da idéia da “adoção de novas tecnologias no setor agrícola e busca de novos modelos de ocupação e exploração da terra”.
O modo de produção capitalista representou enorme avanço, revolucionando forças produtivas e racionalizando métodos e processos durante mais de um século. Entretanto os males que este sistema gerou após a Revolução Industrial, com a profunda acumulação e concentração de riqueza, teve como conseqüência o agravamento das desigualdades sociais e territoriais, chegando a colocar em risco a sobrevivência do planeta.
Hoje, no século XXI, sob todos os aspectos este modelo é predador, desumano e já não mais corresponde às potencialidades e desafios sociais, culturais e ambientais da humanidade.
É verdade, Cassiano, que a terra continua arredondada e que as novas tecnologias podem conduzi-la ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades. O problema é como aplicar estas tecnologias. Qual modelo de desenvolvimento? Qual relação com o meio ambiente? Qual perspectiva de desenvolvimento humano?
O modelo proposto pelo DNOCS implica bombeamento, consumo elevado de energia, trabalho assalariado no campo e crescimento desordenado das cidades, uso intensivo do solo e da água com eliminação da biodiversidade. Tudo em nome da produção intensiva de frutas tropicais e novas concentrações.
Quero sugerir outra lógica para a utilização das águas da Barragem Santa Cruz, vinculado a outro modelo de desenvolvimento da agricultura e do semi-árido brasileiro. A topografia da região permite a utilização das águas da barragem a baixo custo energético irrigando o vale no sentido Apodi – Caraúbas por gravidade. Lá, no vale, não precisa o governo promover nenhuma desapropriação, dada a sua estrutura fundiária. É no vale que historicamente vem sendo produzido o arroz vermelho, que pode ter sua área ampliada.
Para as terras da chapada, a experiência com os assentamentos da Reforma Agrária, o manejo agro-ecológico da caatinga, a convivência entre agricultura de sequeiro, apicultura e caprino-ovino cultura possibilita uma ocupação humana qualitativamente diferente do proposto por perímetros irrigados. Duas visitas são necessárias para entender a divergência: ao DIBA (distrito irrigado do baixo Açu) e aos projetos de assentamento da chapada do Apodi (Laje do Meio, Moacir Lucena, Milagres entre outros).
No DIBA, cobertura vegetal retirada, uso intensivo de água e defensivos, solo salinizado, nenhuma fixação humana nem criação de animais. Ao lado, periferias urbanas em crescimento. Nos assentamentos da chapada, recuperação da fauna e da flora retirada pelas antigas fazendas, fixação de famílias em residências dignas, grande produção de mel, leite, carne, frutas de sequeiro, artesanato, ovos, aves, milho e sorgo.
Em ambos os ambientes investimentos públicos foram feitos. O governo do Presidente Lula ao expandir os Institutos Federais e transformar a ESAM em UFERSA, levou investimentos em educação, ciência e tecnologia para territórios rurais antes inatingíveis. Associá-los a produção de alimentos e vida digna é o desafio.
A “opção preferencial pela pobreza” foi feita pelos ricos, pelos que mandam e oprimem no mundo inteiro. Aplicar na chapada do Apodi o modelo falido de desenvolvimento concentrador e excludente é que representará atraso. Atraso humano e ambiental.
Queremos sim políticas públicas que desenvolvam o semi-árido brasileiro. É possível sim uma ruralidade com gente, cidades com saneamento, escolas e saúde pública. Para tanto estamos propondo modelos de desenvolvimento rural sustentáveis, economicamente viáveis e socialmente aceitáveis. Este é o debate.”