O julgamento da tese do “marco temporal” para demarcação de terras indígenas deve ocorrer nesta quinta-feira, 26 de agosto. Essa proposta, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração das terras indígenas, vincula o direito à terra aos indígenas que estavam nela até a data da promulgação da Constituição brasileira: 5 de outubro de 1988.
A tese põe em xeque pelo menos três centenas de demarcações. Mais de seis mil indígenas fizeram vigília em Brasília e pediram aos ministros do STF a não aprovação do marco temporal. Para o Senador Jean (PT-RN), a possível votação dessa proposta vai trazer mais desmatamento, conflito e concentração de terra e renda nas mãos dos grandes latifundiários.
“Significa um retrocesso nos direitos dos povos indígenas e vai contra o artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece o direito originário desses povos sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, explica o Líder da Minoria.
O resultado da aplicação do marco temporal deverá ser a redução dos procedimentos de demarcação de terras, aumentando a vulnerabilidade dos povos indígenas. O desrespeito ao direito indígena às suas terras tradicionais já tem gerado tensão e violência, uma vez que os povos indígenas são forçados a se deslocarem das terras onde têm seus meios de subsistência, coesão social e cultural e tradições espirituais.
A definição do marco temporal também trará um aumento do desmatamento de áreas preservadas, com a ampliação da fronteira agrícola.
“O desenvolvimento econômico não se traduz apenas nos resultados das safras de milho e soja”, afirma Jean. “É preciso levar em conta os aspectos humanos e culturais da sociedade e a proteção do patrimônio imaterial que os povos indígenas representam”.
Além do interesse na ampliação da área agrícola, os produtores rurais poderão se beneficiar de outra forma com o marco temporal. Algumas terras a serem demarcadas já têm a previsão de declaração de nulidade dos documentos fundiários referentes às áreas. Sem a declaração de nulidade, em caso de aplicação do marco temporal, o Estado vai ter que indenizar os proprietários, com recursos do orçamento da União.
Para entender o assunto
A matéria chegou ao STF no julgamento de um recurso da Fundação Nacional do Índio em 2016, sobre conflito em Santa Catarina com os povos da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ. Em 2009, o Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (antiga Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente – Fatma) ingressou com Ação de Reintegração de Posse, afirmando ser legítima possuidora de uma área localizada na Linha Esperança-Bonsucesso, distrito de Itaió-SC.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) acolheu a tese do marco legal em 2013 e concedeu ao Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina a reintegração de posse. Porém, a área reivindicada é parte da Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, tendo sido declarada de posse permanente dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, por portaria do Ministério da Justiça, em 2003.
Em 2017, a Advocacia-Geral da União deu parecer favorável ao marco temporal. Mas, a pedido da comunidade indígena Xokleng, o Ministro Edson Fachin suspendeu os efeitos do Parecer da AGU em 2020, até a definição do STF sobre a matéria.
A decisão do Supremo terá repercussão geral, ou seja, será aplicada em todos os processos de demarcação, atingindo centenas de povos indígenas no Brasil. Fachin é o relator da matéria e já apresentou seu voto em junho, contra o marco temporal.