CNJ defende intervenção federal no sistema prisional do Rio Grande do Norte
No Rio Grande do Norte, há prisão chamada de masmorra, outra que é um lixão, e preso que comeu, literalmente, o fígado de outro, após matá-lo, decapitá-lo e espalhar suas vísceras pela cela. As denúncias fazem parte do relatório de 2013 do Mutirão Carcerário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no estado.
Segundo o relatório, o sistema prisional do RN está em colapso. O estado é um dos três, ao lado do Maranhão e do Rio Grande do Sul, em que o supervisor de Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ, Guilherme Calmon, defendeu intervenção federal no sistema prisional, em entrevista ao GLOBO em dezembro.
Com pouco mais de seis mil presos, o RN tem déficit de pelo menos 2,1 mil vagas nas suas prisões. Exemplos do quadro estão no Complexo João Chaves, em Natal: os presos amontoados da unidade masculina de regime fechado não têm banho de sol; e a unidade semiaberta mais parece um lixão, diz o CNJ, que visitou o estado em abril e maio.
Na maior unidade do RN, a Penitenciária de Alcaçuz, em Nísia Floresta, há, além da superlotação (705 presos para 420 vagas), esgoto a céu aberto e pavilhões depredados não há mais grades de contenção ou que isolem os andares.
Mortes
Desde 2007, foram 20 mortes violentas de presos na unidade: quem matar o outro preso com maiores requintes de crueldade ganha prestígio e se torna líder. Houve uma morte (em 2011) em que um preso, que já matou cinco na unidade, esfaqueou outro, decapitou-o e o estripou, espalhando suas vísceras pela cela e ainda comeu parte do fígado da vítima. Uma total selvageria, afirma o relatório.
Além de presídios, o estado tem 21 Centros de Detenção Provisória (CDPs) e todos deveriam ser desativados, diz Henrique Baltazar, juiz de Execuções Penais de Natal e Nísia Floresta, e que participou da coordenação do Mutirão no RN em 2013: São antigas carceragens de delegacia que viraram presídios, mas não foram feitas para isso. O esgotamento, por exemplo, são fossas sépticas que transbordam, foram feitas para bem menos gente.
O prédio do CDP da Ribeira, dos anos 1960, assemelha-se a uma masmorra, posto que escura, úmida e sem ventilação. No CDP da Zona Norte, o Mutirão encontrou um preso cego, que não conseguia se movimentar, em total estado de inanição, jogado num colchonete numa cela, cheio de fezes, já que não consegue se limpar.
Não bastassem essas condições, quando o Mutirão levou o caso ao juiz responsável pela unidade, viu-se que o preso já tinha direito à progressão para regime semiaberto, e ele foi entregue a um familiar.
E o sistema prisional potiguar não tem atendimento médico: à exceção da Penitenciária de Parnamirim e do CDP feminino da mesma cidade, nenhuma outra possui assistência médica na unidade, nem qualquer enfermeira.
Riscos
Outro dos principais problemas é a falta de registro e controle de dados. A Secretaria estadual de Justiça não possui sistema informatizado de controle dos presos. E há unidades que não possuem internet ou sequer telefone/fax. O resultado é que não foi possível ser obtida sequer uma lista dos nomes e números de presos, seja ela de provisórios ou condenados. Também não se sabe quantos presos estão em tratamento de doenças como Aids e tuberculose.
À falta de estrutura, somou-se aumento de quase 400% no número de presos nos últimos dez anos: de 1.729 para 6.476. O número de agentes penitenciários, hoje cerca de 900, cresceu só 70%. Em Alcaçuz, diz o juiz Baltazar, há quase 15 presos por agente; a ONU recomenda três presos para cada agente.
Para Baltazar, a prisão hoje com mais riscos de segurança é Alcaçuz. Lá, houve uma morte em 2013 e três em 2012. E, em 2011, uma grande rebelião incluiu atentados nas ruas, com ônibus queimados. Também em Alcaçuz já teria se infiltrado a maior facção criminosa paulista, além de se formar uma facção rival, local, denuncia Baltazar.
Mossoró
O coordenador de Administração Penitenciária do estado, o major da PM Mairton Castelo Branco, diz que há R$ 16 milhões federais, do Fundo Penitenciário, garantidos para construir um presídio em Ceará-Mirim, na Grande Natal, com 603 vagas. A previsão é que as obras comecem no 1º semestre:
Outra unidade prevista é em Mossoró, também com 603 vagas, mas esta deve demorar mais, pois ainda estamos negociando a verba.
O que já está em obra hoje, afirma o major, são a ampliação do presídio do Seridó, criando mais 80 vagas até junho; e a reforma de um prédio para receber uma unidade semiaberta em Natal, com 400 vagas, também para junho.
Fonte: O Globo