“Não dá para formar um professor só lendo Piaget.”
A frase é do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, em alusão à carga teórica dos cursos que formam docentes para a escola básica, como a literatura de Jean Piaget, pensador do século 20.
Foi dita recentemente em encontro com mil secretários municipais da área de ensino. Arrancou aplausos.
A declaração sintetiza a avaliação dos gestores de que a formação universitária dos futuros professores da educação básica é um dos entraves para a melhoria da qualidade do ensino no país.
A reclamação é que os futuros docentes têm muito contato com teóricos da educação, mas terminam o curso despreparados para enfrentar salas de aulas.
CARGA HORÁRIA
Um dos mais amplos estudos no país sobre currículos das licenciaturas foi feito recentemente pelas fundações Victor Civita e Carlos Chagas.
O trabalho apontou que nos cursos de licenciatura do país que formam professores de português e de ciências, a carga horária voltada à docência fica em 10%.
Já o tempo destinado aos conhecimentos específicos das áreas passa dos 50%.
“Os professores chegam às escolas com bom conhecimento da sua disciplina, mas não sabem como ensinar”, disse à Folha o secretário estadual de Educação de São Paulo, Herman Voorwald.
Na opinião do secretário, cuja rede tem 200 mil professores, um docente de matemática, por exemplo, é muito mais um matemático do que um professor.
Para Voorwald, as licenciaturas deveriam ter menos conteúdos específicos das matérias e mais técnicas sobre como dar aulas.
Presidente da comissão de graduação da Faculdade de Educação da USP, Manoel Oriosvaldo discorda que a formatação dos cursos de pedagogia e de licenciatura seja responsável pela má qualidade do ensino básico.
“Com o salário que se paga ao professor, é difícil convencer um jovem a assumir uma sala de aula”, afirma. “Se as condições de trabalho melhoram, sobe o nível de quem seguirá na carreira.”
Especificamente sobre os currículos, ele diz que diminuir a teoria dos cursos “simplifica o papel do professor”.
Para Oriosvaldo, a teoria permite que o professor consiga refletir sobre sua atividade constantemente. E corrigi-la quando necessário.
Além disso, o docente deve ter condição de ensinar aos alunos o histórico que levou à resolução de uma equação, por exemplo. Assim, o jovem conseguirá também produzir conhecimento.
SEM MUDANÇAS
A maioria dos alunos e dos coordenadores dos cursos de formação de professores tem avaliação semelhante à do professor da USP, mostra estudo feito pela Fundação Lemann, a pedido da Folha.
O trabalho aponta que há menos coordenadores de cursos de pedagogia ávidos por mudanças em seus currículos (38% das respostas) do que em engenharia civil (50%), por exemplo.
A pedagogia forma professores para atuar com os alunos de seis a dez anos. A partir daí, os demais professores vêm das licenciaturas.
A opinião sobre os cursos foi tabulada a partir das respostas dadas nos questionários do Enade 2011, exame federal de ensino superior.
As respostas mostram também que os formandos em pedagogia se sentem mais bem preparados para a profissão (68%) do que os de engenharia de produção (57%).
Contraditoriamente, o Enade revela que os concluintes dos cursos de formação de professores estão entre os que possuem notas mais baixas em conhecimentos gerais. Pedagogia está na 46ª pior posição, entre 59 cursos.
Fonte: Folha de São Paulo